Pequena pluma ou uma lição de vida

A instituição do ser-se

Pequena Pluma é a história de um valente pequeno índio de dez anos, oriundo da recôndita vila de Loneliville que se manteve isolada do resto do mundo. Criada à luz de conhecimentos sabiamente partilhados entre os índios locais e os colonos escoceses, que por lá assentaram, Loneliville existiu em prosperidade durante cem anos. O ensino fazia-se pelas próprias aprendizagens e a partir de permutas entre as tradições orais dos índios cheyennes e «os métodos pedagógicos mais estruturados da Europa»; as relações humanas e afetivas requeriam sapiência, carinho e compreensão; o contacto com a natureza exigia um absoluto respeito para que todos usufruíssem corretamente dos recursos naturais. No entanto, quis o acaso que a convivência harmoniosa dos habitantes da pequena vila fosse destruída pela mão atrevida e inconsciente do homem, e que o único sobrevivente fosse Pequena Pluma MacAbony, filho de Urso Cinzento McAbot e de Flor Selvagem McAbony.

Recolhido pelos soldados do exército, que procuravam a bomba lançada pelo coronel James T. Brooks, o pequeno órfão não consegue fazer valer a sua história e é levado ao xerife George que resolve adotá-lo e levá-lo para Pennsville. A partir de então, esta surpreendente narrativa acontece nos moldes de uma descoberta permanente, onde o leitor é convidado à reflexão, pois o insólito espreita a cada empreitada levada a cabo pelo jovem e curioso MacAbony.

Entre acusações, por não ser como os outros, e louvores, por ser considerado um novo Messias, Pequena Pluma inicia o seu processo de autodescoberta e conhece, pela primeira vez, o fascínio do chocolate, da televisão e do telefone, que nunca vira antes, bem como realidades sociais (como o divórcio, por exemplo), que não compreende, considerando que lá em Loneliville  as coisas eram bem mais simples: «No seu mundo de outrora as coisas não se passavam daquela maneira. (…) “O que te faz falta é uma mulher”, disse o pai quando o Cão Gordo da Pradaria acabou de contar as suas desgraças, (…) Por sorte, Serpente Gentil, o pai de Esquilo Branco, estava a dizer a mesma coisa à filha. (…)». E assim se fazia um casamento onde crescia «o verdadeiro amor», pensou o pequeno índio. Afastado dos seus, Pequena Pluma vai ainda deparar-se com a cobiça desmedida dos homens civilizados, a sua mentira disfarçada e a sua prepotência na certeza irrefutável dos seus atos mesquinhos e mais duvidosos. 

Adaptando-se às mais diversas circunstâncias, Pequena Pluma sabe sempre desenvencilhar-se e nunca põe de parte os ensinamentos do seu povo, tentando, a todo o custo, mostrar que a velha sabedoria dos índios também deve ser levada em consideração, quer em Pennsville, onde tem uma vida agradável junto do seu protetor: «– Tens um ar triste, disse Pequena Pluma ao reverendo (…). – O Sábio Mocho dizia que quando se está triste, é melhor não fazer nada» e do seu pai adotivo, quer em conversa com o Presidente dos EUA, na Casa Branca: «– Repara, meu rapaz – disse o Presidente enrugando a fronte –, sou mais poderoso que todos os reis de que se fala nos livros. Gostas de histórias de reis? Pequena Pluma deitou-lhe um ar cansado. “O Sábio Mocho dizia sempre que nós somos todos reis e rainhas da nossa própria vida. Que o importante é governarmo-nos a nós mesmos, e não governar o mundo que nos rodeia”». 

É, de facto, em Washington que a inocência eleva esta personagem a um estado de absoluta ingenuidade, face à maldade/cobiça dos homens, mas de inteira responsabilização, face aos seus instintos de obrigatoriedade perante as suas relações socioafetivas e às suas raízes. Perante esta nova civilização, que o apadrinha com falas mansas e gestos duvidosos, Pequena Pluma distingue os verdadeiros sentimentos e procura a sua família na busca da harmonia perdida e, por isso, foge com George. 

Com a queda do avião e o desaparecimento de Pequena Pluma, sentimos um vazio e apercebemo-nos que: «passou um anjo». O vento forte levou-o com a mesma simplicidade com que o trouxe, e em nós ficou um vazio e a nostalgia de o ver partir.

 2006, in Mediadores, Livros e Leitores

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