Primavera interrompida ou busca de identidade?

Quando um porquê não tem um “porque”

Primavera interrompida é uma narrativa de potencial receção leitora juvenil que se constrói a partir do confronto social de duas realidades: a de Simão e a de Joca, dois adolescentes cujas experiências de vida são absolutamente distintas. Se Simão pertence a uma família onde a prática do diálogo franco e da a interrajuda são uma constante, Joca nasceu numa família falida em permutas, cujas responsabilidades da casa cabem em exclusivo a uma mulher já gasta pelas agruras de vida e que a transformam numa «figura involuntariamente desbotada».

Informado sobre a proveniência biológica de ambas as personagens, o leitor passa, de imediato, a ser informado que Joca é um consumidor de droga e que, por isso, não é uma boa companhia para Simão, como asseriu o pai deste à hora do jantar em família. Parece estar tudo dito, assumirá o leitor. Esta parece assim ser mais uma história típica: a de um jovem drogado e marginalizado que tem um ambiente familiar propício ao vício, e a de um outro jovem bem-comportado, proveniente de uma família, atenta a quem é proibido uma companhia tão perigosa.

Claro que essa poderia ter sido uma das resoluções do escritor para escrever a história de amizade destes dois rapazes. Quem sabe se não seria o caso de engendrar mil e um estratagemas favoráveis aos encontros proibidos destes dois rapazes e, no desfecho, salientar uma amizade tão forte, capaz, inclusive, de salvar Joca, ou simplesmente condenar ambas as personagens ao vício, reforçando, deste modo, a temática da desobediência, logo, do castigo.

Embora algo isenta de determinados aspetos estético-literários, esta narrativa ganha voz pelas várias temáticas que aborda e que me abstenho de enumerar. Não deixo, contudo, de salientar o interesse que esta narrativa poderia suscitar numa aula, por exemplo, de Formação Cívica1.

Há, contudo, uma à qual me rendo: a temática da compreensão patente em Primavera interrompida e que se prende à imagem do humanitarismo identitário na busca de uma solidariedade colectiva, a qual, nesta obra, envolve várias gerações de uma mesma comunidade num único propósito social e pedagógico.

2007, in Mediadores, Livros e Leitores

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