Lucrécia Bórgia – a Princesa do Vaticano

Christopher Willis Gortner é um autor bem conhecido pelos seus romances históricos. Tal como muitos outros escritores, sabe articular as suas pesquisas com uma ficção envolvente, como sucede no romance Lucrécia Borgia − a Princesa do Vaticano, publicado pela Topseller e traduzido por Eugénia Antunes.

Dir-me-ão que há no mercado livreiro imensas narrativas sobre Lucrécia Bórgia, essa filha do Papa Alexandre VI, e que foi uma das figuras históricas mais controversas do Renascimento, e têm razão. E muitas são as narrativas que a retratam como uma mulher cuja astúcia a transforma numa vilã manipuladora, terrivelmente sedutora e perigosa. Mas tê-lo-á sido de forma gratuita, como muitas vezes nos foi apresentada Lucrécia?

Esta obra, que se lê muito rapidamente, revela-nos uma personagem que se move nos luxuosos salões do Vaticano e dos palácios, e simultaneamente numa assimetria emocional absolutamente extraordinária, o que a mune dos valores, também eles controversos, que constroem a sua personalidade. Logo, podemos dizer que Christopher Gortner cumpriu com o exercício da precisão histórica, mas simultaneamente usou da sua liberdade criativa, prendendo a atenção do leitor que se emociona perante os desafios diários que Lucrécia tem de ultrapassar, e quase tem pena desta criança em crescimento. Para mim, que li já alguns livros sobre esta mulher, inclusive, sobre os Bórgias, esse é um dos traços marcantes desta obra. O que me permite afirmar que o autor nos traz uma versão humanizada de Lucrécia Bórgia, revelando-a como mulher-objeto, ao serviço da própria família. Por incrível que possa parecer, a personagem nada mais é do que uma vítima do mundo decadente, corrupto e pervertido que a rodeia, e que todos assimilam como natural. Isto é, a filha adorada do Papa Alexandre VI é praticamente leiloada de pretendente em pretendente ainda sem ser mulher; é a irmã seduzida, usurpada e ludibriada pela ganância dos que a cercam: o pai, a esposa do pai, os irmãos.

É este mergulho dentro da psicologia das personagens, sobretudo na de Lucrécia, que mantém esta narrativa acelerada, permitindo ao leitor ir captando as emoções que definem e diferenciam as personagens. Aqui, o mal nem sempre é o mal; o bem nem sempre é o bem. E esta ausência da noção do correto/ incorreto, absolutamente consolidada nas ações dos demais intervenientes permite ao leitor acercar-se com respeito desta personagem tridimensional e envolvente. Entendida ao nível de todas as nuances que a compõem, Lucrécia Bórgia deve ser valorizada, pois ela sobrevive ao mal e constrói a sua identidade num mundo onde o poder e a traição se jogam num tabuleiro onde o xeque-mate ao rei é impensável.

Obra recomendada e à qual atribuo 4 estrelas, sobretudo por nos permitir ver com outros olhos uma das figuras mais incompreendidas da história.

Anterior
Anterior

D. Teresa, a rainha que desafiou as convenções da época

Próximo
Próximo

Leonor Teles: a rainha que mereceu os sete anéis