D. Teresa, a rainha que desafiou as convenções da época

D. Teresa, a rainha que não abriu mão do poder, de Isabel Stilwell, publicado pela Manuscrito, é um romance muito particular que coloca o leitor perante um retrato íntimo e complexo da personagem principal, em vez de se focar, como outros, na difícil relação política entre mãe e filho. A intriga do romance começa em 1086, no reinado de D. Afonso VI que foi rei de Leão, Castela e Galiza, e uma figura central na Reconquista Cristã ao consolidar o poder dos reinos cristãos na Península Ibérica.

Logo no primeiro capítulo, é-nos apresentada Ximena Moniz, mãe das filhas ilegítimas de Afonso VI, uma delas, Teresa, que viria a ser a mãe de Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal. Nesta obra, Ximena Moniz é uma mulher absoluta na sua maturidade, complexa, quase mística, inteligente e muito astuta na proteção da filha Teresa. Conhece profundamente os ditames sucessórios, aceita as consequências por não ter dado a D. Afonso um filho varão e posiciona-se na retaguarda, sempre atenta. Sabendo-se amada, zela pelo reino e faz com que Teresa leve a bom porto os seus direitos. É caso para dizer-se que D. Teresa não teria sido a mulher que foi, caso não tivesse como mãe Ximena Moniz.

Indo viver para a corte do pai e da sua tia Urraca, ainda criança, Teresa vivenciará todo o tipo de alianças políticas, bem intrincadas por sinal, algumas cimentadas por casamentos estratégicos; terá tomado consciência do quão se pode fazer para ascender ao trono; vivenciado os descontentamentos e pressões de nobres insatisfeitos; aprendido a viver junto de D. Constança, mãe da sua prima Urraca, que era a única filha legítima de D. Afonso VI, e posteriormente da segunda esposa do pai, a muçulmana convertida, Zaida, que terá gerado o tão desejado filho varão.

Após a morte de Afonso VI, em 1109, cientes dos desafios políticos que terão de enfrentar, as meias-irmãs, D. Urraca e D. Teresa, vão manter uma relação de cooperação, pois se uma herdou o trono de Leão e Castela, a outra recebeu o Condado Portucalense, que se tornaria, como sabemos, a base para o futuro independente de Portugal.

Contudo, as ambições de D. Teresa em consolidar a sua autoridade no reino da Galiza, sobretudo após a morte do marido, o conde Henrique de Borgonha, e a sua relação cada vez mais próxima com a nobreza galega acabarão por gerar grandes tensões com o clero e importantes nobres portugueses, sobretudo com Egas Moniz. Esmerados na educação do infante, fazendo-o crescer com um forte sentido de liderança e autonomia, estes não viam com bons olhos essas relações, sobretudo a aliança política e cada vez mais pessoal de D. Teresa com Fernando Peres de Trava, um poderoso nobre galego.

E como se geria esta política, onde o clero era a instituição a contentar com doações de terras e castelos! Este é, pois, o romance que também nos permite perceber a crescente importância de Santiago de Compostela e as sucessivas tentativas de afirmação da diocese de Braga face à ousadia e falta de caráter do poderosíssimo arcebispo Diego Gelmirez.

E o que fazia Ximena Moniz no meio de toda esta confusão? Tentava aconselhar a filha, sabendo, contudo, que o seu orgulho era bem maior do que a sensatez que deveria ter perante as artimanhas e influências de D. Urraca que também lutava para manter o controlo sobre os domínios herdados do pai, fazendo com que D. Teresa considerasse melhor fortalecer as ligações entre a Galiza e o Reino de Leão. Ora, D. Afonso Henriques, que crescia para se tornar o Rei e proclamar a independência do Condado Portucalense, liderou uma revolta contra as forças da mãe e do amante, saindo vitorioso na célebre Batalha de São Mamede. Criado por Egas Moniz, cresceu com um forte sentido de liderança e autonomia, o que culminou na sua decisão de romper com a influência da mãe e proclamar a independência do Condado Portucalense. A vitória em São Mamede não foi apenas um triunfo militar, mas também o marco inicial do Reino de Portugal, consolidando a trajetória que tornaria Afonso Henriques o primeiro rei português.

Mas, muito mais do que narrar a complexidade das disputas políticas e territoriais entre os reinos ibéricos, um dos grandes méritos deste romance é oferecer um retrato íntimo e complexo de D. Teresa, apresentando-nos um ícone inegavelmente histórico, cujas ambições pessoais, as paixões, a tornam numa personagem profundamente humana, ou seja, uma mulher forte, inteligente, ambiciosa e, simultaneamente, vulnerável e apaixonada.

Próximo
Próximo

Lucrécia Bórgia – a Princesa do Vaticano